segunda-feira, novembro 01, 2010

Pátria

“Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois qu...e nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, – reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (…)


Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta ate à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima, descambam na vida publica em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na politica portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro (…)

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do pais, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre, – como da roda duma lotaria.


A justiça ao arbítrio da Politica, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;


Dois partidos (…), sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes (…) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, – de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (…)”

Guerra Junqueiro, "Pátria", 1896.

quinta-feira, outubro 07, 2010

How photography lost its virginity on the way to the bank.

"Never trust any photograph so large it can only fit inside a museum;


The announced demise of the decisive moment is premature; and

Museums should never exhibit photographs of visitors looking at art in museums to visitors who are looking at art in museums."

Duane Michals

quinta-feira, julho 01, 2010

They Shoot Horses, Don't They ? Final scene ( Os cavalos também se abatem! )

queremos mentiras novas ( roubado a Enquanto Catarina)

A PORTUGAL

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos sãopor serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões;
salsugem porcade esgoto atlântico;
irrisória facede lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude;
terra tristeà luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeirosque deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povoassina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentaisque o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secascomo esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço.
És cabra, és badalhoca,és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.

Jorge de Sena

"... . Mas se tu me cativares, a minha vida fica cheia se Sol. ..."

e pq o senhor fazia ontem 110 anos deixo te este belo texto..

"... - Olá, bom dia! - Respondeu delicadamente o princepezinho...
-Anda brincar comigo - pediu o princepezinho. Estou tão triste...
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Ainda ninguém me cativou...
Andas á procura de galinhas? (diz a raposa)
Não... Ando á procura de amigos. O que é que "cativar" quer dizer?
... Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
Laços?
Sim, laços - disse a raposa. - ...
Eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo e eu serei para ti, única no mundo...
(raposa) Tenho uma vida terrivelmente monótona...
Mas se tu me cativares, a minha vida fica cheia se Sol. ..."